Aspectos da velhice mais saudável e a responsabilidade de design, negócios e tecnologia

A velhice mais saudável foi abordada no primeiro seminário da ONG EternamenteSou voltado a discutir os desafios e alegrias dessa fase da vida. 

Símbolo para pessoa idosa Imagem mais usada versus leitura neutra – Agência Senado

O debate é importante por diversos fatores, um deles é que, por exemplo, assim como podemos idealizar uma juventude quase mágica durante a infância, podemos cair na armadilha de idealizar uma velhice improvável durante a vida adulta.

Aliás, por vezes percebemos duas maneiras de se agir frente a velhice: ou torná-la invisível, negando-a; ou a torná-la fantasiosa mascarando a possível realidade futura.

Essa fantasia se torna ainda mais forte com as possiblidades tecnológicos como plásticas, reposições, suplementos, transplantes e outros recursos para a manutenção de uma juventude eterna.

De qualquer forma, construir uma velhice mais saudável com lógica e tranquilidade nem sempre é a mais fácil das tarefas.

E isso seja como resultado de uma sociedade que hipervaloriza a juventude, seja pelo medo que pode existir ao nos aproximarmos do fim da vida.

Talvez o primeiro passo para lidarmos com esse momento de forma consciente é não olhar para a pessoa idosa como um estereótipo, seja o do bom velhinho ou o da extrema fragilidade.

Claro que alguns precisarão de ajuda e alguns serão bons velhinhos e boas velhinhas, mas isso não é regra e esconde o entendimento de que a pessoa idosa é, antes de tudo, uma pessoa com uma trajetória e caraterísticas únicas.

Enxergar cada pessoa como um individuo dotado de sua própria personalidade é um fator decisivo para fugirmos das ideias pré-fabricadas de velhice e começarmos a compreender essa fase como um momento único e individual.

Assim, talvez possamos parar com as atitudes discriminatórias e aceitar nossa própria velhice mais saudável, que será resultado das nossas escolhas, da nossa trajetória, dos nossos acessos e até da nossa genética.

Isso quer dizer que não precisamos ser um Wang Deshun, modelo que aos 80 anos ainda expressava um ideal de juventude, e nem por isso seremos a pessoa idosa de bengala comumente retratada nos símbolos gráficos dos espaços públicos.

Wang Deshun Modelo chinês aos 80 anos

Velhice mais saudável: os fatores de influência

Um ponto importante é que todas as fases da vida são construídas gradativamente, e não de uma hora para outra.

Aspectos como, por exemplo, o gênero, o estado civil, o poder aquisitivo, as condições de saúde e até nosso estilo de vida vão impactar a dinâmica das nossas relações e a maneira como percebemos e vivenciamos nossa realidade.

E para uma velhice mais saudável, quanto mais autônoma a pessoa idosa for, maior a probabilidade dela se sentir mais realizada e feliz.

O grande desafio é que nessa fase da vida nos tornamos mais suscetíveis a possíveis problemas de cunho biológico, psicológico e social.

Esses problemas podem levar a necessidade de ajuda para realização de tarefas cotidianas simples, como vemos na escala de Guttman.

Hierarquia das atividades de vida diária Escala de Guttman - Velhice mais saudável

Então, algo importante nesse sentido é criar espaços, tecnologias e contextos em que a pessoa idosa possa continuar se realizando como individuo nas mesmas esferas que jovens e adultos.

Até porque que continuamos tendo as mesmas necessidades e anseios básicos, mesmo envelhecendo.

Aqui vale um esforço do setor público, das empresas e dos movimentos sociais para construir esses espaços, recursos e políticas de inclusão que contribuam para minimizar os desafios do avanço da idade.

Isso tanto para ampliar a capacidade e autonomia da pessoa idosa de se realizar e continuar ativa quanto contribuindo e participando dos contextos sociais.

Essas iniciativas compõem também o envelhecimento ativo, um conceito amplo sobre a qualidade completa para a vivência de uma velhice mais saudável.

O envelhecimento ativo

O principal objetivo do envelhecimento ativo é proporcionar a satisfação com a vida para as pessoas idosas.

Isso pressupõe melhorar a estrutura e a oferta de serviços fundamentais como, por exemplo:

  • Serviços para a saúde.
  • Estruturas para participação na sociedade.
  • Gerenciamento e fomento do capital intelectual.
  • Segurança social e individual.
  • Segurança financeira.

Essas ações têm como objetivos centrais proporcionar autonomia e independência e ampliar a qualidade e a expectativa da vida saudável.

Com isso, podemos continuar praticando nossos papeis sociais e exercitando nossas capacidades funcionais, mesmo em idade mais avançada.

Contudo, uma vez que as políticas públicas ainda não estão preparadas para essa realidade, precisamos cada vez mais fortalecer nossas redes sociais para fomentar essas ações e contextos.

A formação de redes sociais fortes

Humanos precisam de outros humanos para viver e serem felizes, isso independente da idade.

Essa característica social inclusive foi grande responsável por nossa sobrevivência e evolução, além de ter impacto direto na saúde e bem-estar das pessoas.

Logo retirar pessoas idosas desse convívio social rico e diverso é desumano e pode até agravar ou levar a doenças.

Aqui vale lembrar que ainda hoje o convívio social costuma ser baseado em grupos preestabelecidas como o da família, o dos amigos, o das comunidades e por fim o do Estado.

Redes sociais de apoio e convivência Grupos sociais para uma velhice mais saudável

Esses grupos formam nossa rede social e a convivência neles influencia uma vida mais plena independente da idade, inclusive na velhice.

A exclusão ou dificuldades em manter laços e vivências em qualquer um desses grupos pode influenciar diretamente na qualidade de vida e bem-estar das pessoas.

Um domicílio unipessoal, por exemplo, pode criar diversos aspectos negativos para a pessoa idosa.

Contudo, existem múltiplos fatores que levam pessoas idosas a morarem sozinhas, alguns desses fatos da vida cotidiana na nossa sociedade atual.

Domicílio unipessoal - O que leva pessoas idosas a morarem sozinhas

A questão aqui é quanto mais forte for a rede social de suporte à essa pessoa idosa, maior a probabilidade dela se sentir plena e satisfeita.

O oposto também é verdadeiro, ou seja, uma rede social de suporte fraca pode gerar mais sofrimento e infelicidade.

Redes sociais de apoio e convivência Grupos sociais fragilizados e fortalecidos

Nesse sentido, a solução mais indicada é a construção e manutenção de uma rede social forte, seja se conectando ou reconectando com amigos, familiares, e mesmo se aproximando de comunidades, ONGs e outras instituições.

Além dessa ação mais informal, também podemos contar com as instituições formais (serviços e instituições que atendem a pessoa idosa) como, por exemplo:

  • Centros de Cuidado Diurnos (Centro Dia).
  • Centros de Convivência.
  • Centros de referências.
  • Programas de Atendimento Domiciliar.
  • Serviços de Reabilitação.
  • ILPI (Instituições de Longa Permanência para Idosos).

Porém, apesar de existirem, elas são poucas e seu acesso ainda é limitado.

Muitas dessas instituições são mais encontradas em grandes centros urbanos, deixando a população em regiões mais afastadas numa situação de vulnerabilidade maior.

Nesse sentido podemos ter dois caminhos em mente:

  1. Pressionar os órgãos públicos por meio dos movimentos sociais a expandir e criar políticas publicas mais abrangentes e condizentes.
  2. Apoiar ONGs (Organizações não-governamentais) que tratem desse tema a expandirem seu poder de atuação.

Uma questão muito relevante quando se trata de política pública é que o Estado tende a dar atenção maior ao que tiver mais dados envolvidos.

Nesse sentido, a escassez de dados desse contexto tende a fazer as demandas das pessoas idosas terem maior dificuldade de serem observadas pela máquina pública.

Contudo, é a máquina pública ainda a responsável por boa parte dos serviços necessários para nossa sobrevivência (como saúde e segurança pública).

Logo, é importante a captura e divulgação de dados e pesquisas sobre as vivências das pessoas idosas para pressionar os órgãos públicos a olharem essa situação e trabalharem em possíveis soluções.

Isso é ainda mais delicado para velhices de grupos já em vulnerabilidade como para pessoas LGBTs, que precisam de mais esforço para alavancar as políticas públicas e ações sociais necessárias para velhices mais saudáveis e seguras.

E se a luta parece difícil e longínqua para você, vale lembrar que a velhice é democrática e chegará para todos que estiverem vivos.

Inclusive o Brasil é um país que está envelhecendo trazendo novos desafios e oportunidades para sociedade e para produtos, serviços e tecnologia para pessoas idosas.

Pirâmide etária do Brasil em 2010 O gráfico gota – Censo e G1

A velhice mais saudável e a responsabilidade de design, negócios e tecnologia

As tecnologias, principalmente as digitais, tem se tornado cada vez mais importantes e relevantes para diversas tarefas cotidianas.

Nesse sentido, existe uma responsabilidade ética e social dos negócios em proporcionar acesso universal aos serviços, incluindo pessoas idosas e outros grupos sociais como de PcD (Pessoas com deficiência).

O design não pode se eximir dessa mesma responsabilidade ao desenhar soluções que incluem formas de acesso adaptáveis e preparadas para diferentes pessoas.

Isso inclui pessoas com necessidades fixas ou temporárias em questões capacidades motoras, cognitivas e outros.

Testar as soluções com pessoas idosas, incluí-las no processo de desenho e mesmo seguir as orientações dos órgãos reguladores e ONGs especializadas são formas que temos para construir produtos e serviços preparados para abraçar essa diversidade.

Também é importante lembrar que excluir ou dificultar acesso a serviços e produtos, de forma consciente ou não, é uma forma de violência.

Uma navegação que não está preparada para ser usada por pessoas idosas tanto quanto por pessoas jovens é uma ação de apagamento social que mina a possibilidade de uma velhice saudável.

E, como já dito, a velhice é o presente de muitos e o futuro de todos que permanecerem vivos.

Portanto, projete para o seu presente ou mesmo para o seu futuro.

A pessoa idosa que você é ou será vai agradecer.

Referências

Símbolo de preferência deve respeitar idosos, segundo projeto em pauta na CDH. Agência Senado. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/02/06/simbolo-de-preferencia-deve-respeitar-idosos-segundo-projeto-em-pauta-na-cdh>. Acesso no dia da postagem.

EternamenteSou. Disponível em: <https://eternamentesou.org/ >. Acesso no dia da postagem.

EternamenteSou. 1º Seminário Velhices LGBT realizado em novembro de 2017. Disponível em: <https://eternamentesou.org/eventos/>. Acesso no dia da postagem.

Naira de Fátima Dutra Lemos. Currículo Lattes, Disponível em: <https://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do;jsessionid=2DBD53ED9085F4DDD63138373E79EC1C.buscatextual_0 >. Acesso no dia da postagem.

Wang Deshun, old famous chinese actor, model and.. speed skater. Disponível em: <https://youtu.be/23heQdJcWfM?si=QC5Xn2yj0r_PKCXI>. Acesso no dia da postagem.

Brasil está cada vez mais feminino e envelhece mais rápido, mostra Censo.G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/censo/noticia/2023/10/27/brasil-esta-cada-vez-mais-feminino-e-envelhece-mais-rapido-mostra-censo.ghtml>. Acesso no dia da postagem.

Atenção à saúde do idoso. Profª. Drª . Jani Cleria. Disponível em: <https://www.slideserve.com/guinevere-pollard/aten-o-sa-de-do-idoso>. Acesso no dia da postagem.

Velhices LGBT. Chilliwiki. Disponível em: <https://www.chilliwiki.com.br/velhices-lgbt/>. Acesso no dia da postagem.

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